O SINDEPOMINAS é uma sociedade sem conotação político - partidária, sem fins lucrativos e sem orientação religiosa, com atuação pautada nos limites da lei e dos interesses nacionais.
A presidência do SINDEPOMINAS entregou ao Chefe de Polícia, Dr. Oliveira Santiago Maciel, nessa sexta-feira 11/07, ofício com parecer, elaborado pelo Delegado de Polícia Gabriel Ciríaco Fonseca, em que rechaça a aplicação da Resolução Conjunta 184/2014 que viola prerrogativas funcionais do Delegado de Polícia.
Leia abaixo a íntegra do ofício:
Confira abaixo a íntegra do parecer:
SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DE MINAS GERAIS – SINDEPOMINAS
COMISSÃO DE PRERROGATIVAS
PARECER Nº: 01/2014
INTERESSADO: Presidente da Comissão de Prerrogativas do Sindepominas
ASSUNTO: Análise da Resolução Conjunta nº 184/14 que institui protocolo de atuação operacional para registro e tramitação de procedimentos de natureza penal, tais como TCO, APFD e AAFAI.
EMENTA: Trata-se de um estudo acerca da constitucionalidade e legalidade, analisando-se aspectos práticos e de violação a atribuições da Polícia Civil em relação à Resolução nº 184/14.
Excelentíssimo Sr. Presidente,
I – Direitos Constitucionais das pessoas submetidas a procedimentos criminais e as atribuições Delegado de Polícia.
“À polícia judiciária de então, quase sempre exercida por magistrados togados, competia mais que a apuração das infrações penais (função criminal), cabendo - lhe também o processo e o julgamento dos chamados “crimes de polícia” (função correcional) [...] Falhou a reforma, destarte, precisamente por não realizar a separação, já há tempo veementemente reclamada, entre as funções judiciais e policiais (executivas), que continuaram em mãos únicas [...] Quase três decênios de protestos e inúmeros projetos legislativos foram necessários para reverter os excessos perpetrados por meio das mudanças em comento [...]” (ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático de Direito. São Paulo, Brazilian Books. 2005, p. 60- 61).
Com efeito, estipula expressamente a Constituição da República de 1988 que:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”.
Assim, é de clareza solar que compete às policias civis as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais e, lado outro, compete às policias militares o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, nada falando a Constituição a respeito de funções de polícia judiciária ou apuração de infração penal em relação às policias militares.
II – DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DA RESOLUÇÃO Nº 184/14.
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”.
Neste particular já se manifestou o STF acerca da inconstitucionalidade formal de lei paulista (frisa-se, lei em sentido estrito, e não ato administrativo como no presente caso) que tratava, especificamente, da utilização de videoconferência no Estado de São Paulo, no caso de réus presos, vejamos a ementa da decisão:
“EMENTA Habeas corpus. Processual penal e constitucional. Interrogatório do réu. Videoconferência. Lei nº 11.819/05 do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade formal. Competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual. Art. 22, I, da Constituição Federal. 1. A Lei nº 11.819/05 do Estado de São Paulo viola, flagrantemente, a disciplina do art. 22, inciso I, da Constituição da República, que prevê a competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual. 2. Habeas corpus concedido.” (STF, HC nº 90900/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 30/10/2008).
Necessário destacar que a lei paulista julgada inconstitucional tratava, especificamente, do interrogatório conduzido pelo Magistrado, vale dizer, apenas um ato na cadeia do processo criminal.
No caso em destaque, tem-se uma norma eminentemente administrativa visando alterar todo o procedimento criminal em casos de flagrante delito, passando a regra a ser o prévio contato telefônico entre o Policial Militar que realiza a captura de alguém em ato de flagrante delito (art. 301 do CPP) e o Delegado de Polícia, responsável pela formalização do procedimento previsto em lei, ou seja, visa-se criar uma espécie de “callcenter” entre a PM e a PC.
Veja-se o absurdo, além de ser formalmente inconstitucional, com a edição desta Resolução a regra passará a ser o contato telefônico, vale dizer, apesar de propugnar a realização de videoconferência, esta somente se realizará caso o Delegado de Polícia considere ser necessário para a melhor compreensão do caso, veja-se abaixo o que diz a norma administrativa:
“Art. 4º Ocorrendo a atuação por parte da Polícia Militar, em horário que corresponda ao plantão da Polícia Judiciária para atendimento de ocorrência, que resulte na condução dos envolvidos, será lavrado o devido Registro de Evento de Defesa Social (REDS), que será finalizado virtualmente na respectiva Delegacia de Plantão da Polícia Civil.
§1º - Após prévia finalização, será feito contato com a Delegacia de Plantão da Polícia Civil, sendo que a Autoridade Policial responsável analisará a demanda sem, contudo, efetuar o recebimento definitivo do REDS.
Avançando, poder-se-ia argumentar que os atos praticados pelo Delegado de Polícia não se realizam no curso de um processo penal, estritamente falando, mas sim em um procedimento criminal que, como tal, poderia ser alterado mediante ato legislativo da União, dos Estados ou do Distrito Federal (competência legislativa concorrente prevista no art. 24, XI da CR/88 e art. 63 e seguintes da Constituição do Estado de Minas Gerais).
Contudo, entendemos que mesmo neste caso estaríamos diante de uma flagrante inconstitucionalidade formal, pois, segundo dispõe do art. 24 da CR/88, trata-se de competência legislativa estrito senso, vale dizer, caso um Estado da Federação pretenda promover alterações em procedimentos criminais, deverá tal alteração ser introduzida segundo as regras previstas para o processo legislativo (art. 59 e seguintes da CR/88), o que, no caso, não foi respeitado.
“ Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
[…]
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
IV - responder a gravíssima questão de ordem pública. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
Da simples leitura do texto legal vemos que, em regra, os casos de interrogatório de réus presos continuamexigindo a presença física do réu perante o Juiz, sendo que apenas excepcionalmente, para atender determinadas finalidades e situações especiais, e mediante decisão fundamentada do Juiz para cada caso, poderão ser realizados por videoconferência.
No caso, a par de toda argumentação no sentido de preservar a ampla defesa da pessoa detida em situação flagrancial, bem como da necessidade que se tem em fundamentar o uso da videoconferência para casos excepcionais, limitamos nossa argumentação aos direitos da pessoa detida, direitos estes de estatura constitucional conforme já se delineou no início deste estudo e se fará mais uma vez abaixo.
Com efeito, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro como norma supralegal (RE 466343 e Súmula Vinculante nº 25), por meio do decreto nº 378/92, estabelece que qualquer pessoa detida deve ser informada das razões da sua detenção e, sem demora, deverá ser conduzida à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer as funções judiciais (Delegado de Polícia), vejamos:
“Art. 7º - Direito à liberdade pessoal
[...]
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”
Não bastasse a citada norma internacional, a própria Constituição Federal de 1988 estipula uma série de direitos do preso em flagrante que, caso se adotem as medidas propugnadas na Resolução nº 184/14, sofrerão consideráveis limitações.
É o caso, por exemplo, do inciso LXIII, do art. 5º, da CR/88, que prevê o direito do preso ser informado de todos os seus direitos, além de lhe serem asseguradas a assistência da família e de advogado, ou ainda o inciso LXIV, do mencionado artigo, que prevê o direito à identificação dos responsáveis pela prisão e/ou seu interrogatório.
Ora, é flagrante o esvaziamento desses direitos ante o novo protocolo que se pretende adotar com a Resolução nº 184/14, pois, além de ser mantido em unidade militar (o que é expressamente vedado por normas de direito internacional/constitucional e pela legislação infraconstitucional), pergunta-se: como será realizada a identificação dos responsáveis pela prisão e/ou interrogatório do preso? Apenas por meio do nome? Mais do que isso, eventual violência e/ou ameaça contra a pessoa detida chegará ao conhecimento do Delegado de Polícia(?) que, segundo palavras do Ministro do STF Celso de Mello, é “o primeiro garantidor da legalidade e da justiça”.
Demais disso, o próprio Ministério Público do Estado de Minas Gerais, um dos signatários da malsinada resolução, possui recomendação no sentido de ser vedada a manutenção de civis detidos pela Polícia Militar em unidades Militares.
Com efeito, trata-se de norma conjunta entre o MPE e o MPF onde, por meio de Recomendação Ministerial Conjunta nº 01/2013[2], datada de 24/06/2013, recomendaram o imediato encaminhamento de nacionais capturados pela PMMG à Delegacia de Polícia, vedando a manutenção deles em batalhões, companhias e outras unidades da Policia Militar, senão vejamos:
“3º . Harmonização da atuação das Polícias Civil e Militar, no sentido de que todas as pessoas que forem presas por ocasião das manifestações e eventos populares sejam encaminhadas a um local único, preferencialmente à Central de Recepção de Flagrantes, localizada na rua Além Paraíba, n. 31, bairro Lagoinha, Belo Horizonte, vedado o encaminhamento e a manutenção de pessoas presas em Batalhões, Companhias e outras unidades da Polícia Militar, mesmo que por poucas horas, objetivando o fiel cumprimento dos incisos LXII, LXIII e LXIV, todos do artigo 5º, da Constituição Federal;”. (destacamos).
Assim, vê-se a patente violação formal e material da Constituição que se pretende perpetrar com a Resolução Conjunta nº 184/14, na medida em que inova em matéria cuja competência para legislar é exclusiva da União e/ou concorrente entre os entes federativos, mas desde que se faça por meio do processo legislativo, bem como quando afasta diversos direitos das pessoas submetidas a procedimento criminal de atribuição exclusiva da Polícia Civil, o qual poderá culminar, inclusive, com a privação da liberdade, não podendo tal pretensão ser admitida em pleno Estado Democrático de Direito.
III – DA VIOLAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA CIVIL E ASPECTOS PRÁTICOS DO PROTOCOLO A SER ADOTADO.
Primeiramente, forçoso frisar que o cidadão, durante a realização do “procedimento virtual”, permanecerá o tempo todo acautelado em unidade militar, o que afronta diversos direitos conforme já visto acima.
Dito isso, vê-se que um Policial Militar, a quem não é dada sequer atribuição para registro de ocorrência criminal, atribuição esta da Polícia Civil nos termos da Lei Complementar Estadual nº 123/13, será o responsável em colher a assinatura da pessoa submetida ao “procedimento virtual” no termo de compromisso encaminhado, em branco, pelo Delegado de Polícia, circunstância que viola a norma legal prevista no art. 69 da Lei nº 9099/95.
Não bastasse isso, caso o cidadão se recuse a assinar o termo seria o caso de se impor a sua prisão em flagrante, com exceção da infração penal prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06 (por motivos óbvios), neste caso uma série de perguntas precisam ser respondidas, dentre as quais se destacam:
Como se não bastasse isso, segue o § 2º, do art. 5º da Resolução (vide art. 7º) dizendo que, no caso de haverem objetos “apreendidos” (quem apreende é o Delegado, policial militar faz arrecadação), estes ficarão guardados na unidade militar, sendo a unidade, e não o policial militar, responsável em fazer a sua entrega à Delegacia de Polícia da circunscrição do fato no primeiro dia útil subsequente.
Aqui, mais uma vez, temos uma clara violação às atribuições da Polícia Civil e, como se não bastasse, o eventual proprietário dos bens localizados vê esvaziado o seu direito à devida guarda dos seus bens, ou mesmo a eventual restituição imediata que poderia ser realizada pelo Delegado de Plantão.
Com efeito, a Lei Complementar nº 123/13 estipula que compete ao escrivão de polícia a guarda de bens apreendidos, sendo ele responsável pela perda, deterioração ou qualquer outro ato que cause dano a esses bens. Assim, pergunta-se:
Mais uma vez temos uma violação às atribuições da Polícia Civil, e neste caso tal violação traz em si consequência deletéria a médio/longo prazo irreparável, pois, incutirá na cabeça do leigo, que já não entende bem a dualidade de Policias do Brasil, a falsa noção de que é o Policial Militar o responsável pela formalização de todo o procedimento, ao arrepio do que prevê a Lei. Em outras palavras, estaríamos autorizando à PM a realização do ciclo completo em infrações penais de menor potencial ofensivo.
Contudo, apesar dos avanços trazidos por essa norma, importante destacar que ela também viola a legislação estadual sobre o tema, bem como caminha em sentido diametralmente contrário ao da jurisprudência do STJ e TJMG.
Com efeito, as Leis estaduais nº 13.054/98, 14.695/03, 15.302/04 e Decreto estadual nº 43.960/05, bem como a Lei Complementar estadual nº 123/13, não atribuem à Polícia Civil a escolta/transporte de preso provisório ou definitivo, sendo certo que tal atividade é de responsabilidade direta da Subsecretaria de Administração Prisional – SUAPI/SUASE, e subsidiariamente da Polícia Militar/MG.
Outrossim, o TJMG, quando do julgamento do Mandado de Segurança nº 1.0000.10.028600-4/000, decidiu que “A escolta de presos é atualmente atribuição afeta ao cargo de Agente de Segurança Penitenciário[...]À ausência de Agente de Segurança Penitenciário na cadeia Pública de Arcos, a escolta de presos permanece sendo de incumbência da Polícia Militar, não havendo que se transferir a atribuição à Polícia Civil”.
Ainda, pela importância que se reveste o tema, necessário destacar que o STJ, quando do julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 19.269/MG, decidiu que “a escolta de presos no Estado de Minas Gerais não é atribuição da Polícia Civil, mas sim da Polícia Militar”, cita-se, abaixo, trecho do voto da Relatora do caso, Min. Eliana Calmon, tendo em vista a precisão com que apresenta e decide o caso, vejamos:
“Examinando-se a legislação de regência, a partir da Constituição Federal, temos como dispositivo primeiro o art. 144, que estabelece ser dever do Estado a segurança pública, consubstanciada na manutenção da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos que menciona, dentre os quais a polícia civil e a polícia militar, o que indica, de logo, que têm elas atribuições distintas. Tanto que o § 4º do mesmo artigo estabelece:
"§ 4º. Ás polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".
As atribuições das polícias, militar e civil ficam na dependência do que estiver estabelecido na Constituição ou em lei local de cada Estado. Pesquisei e constatei que cabe à Polícia Militar a guarda de cadeias e escolta de presos nos Estados de São Paulo, Paraíba, Rondônia e Bahia. Diferentemente, no Distrito Federal e em Goiás, tal atribuição insere-se no âmbito da Polícia Civil.
No Estado de Minas Gerais, a Constituição estabelece no art. 139 as atribuições da Polícia Civil, dentre as quais estão: polícia técnico-científica, processamento e arquivo de identificação civil e criminal, registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação do condutor.
Por seu turno, a Lei Estadual 13.054/98 explicita as atribuições da Polícia Militar, não sendo demais transcrever os dois primeiros artigos:
Art. 1º - Compete à Secretaria de Estado da Justiça e de Direitos Humanos o transporte de preso provisório ou condenado, nas hipóteses legais de transferência, saída ou remoção de estabelecimento penal.
§ 1º - A Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG - oferecerá escolta ao transporte do preso quando a segurança assim o exigir. (Parágrafo renumerado pelo art. 1º da Lei nº 13396, de 9/12/1999).
§ 2º - A implementação do disposto neste artigo dar-se-á a partir de 1º de janeiro de 2000. (Parágrafo acrescentado pelo art. 1º da Lei nº 13396, de 9/12/1999).
Art. 2º - O preso cuja presença ao ato processual for judicialmente requisitada ficará, nas dependências e nas imediações do foro, sob a guarda da Polícia Militar de Minas Gerais e sob as ordens da autoridade judicial requisitante.
Assim, não se tem dúvida quanto à competência da Polícia Militar para realizar a escolta de presos, quando requisitados pela Justiça, o que precisa ser observado pelo Estado, abolindo-se práticas que estão sem o amparo da lei. Afinal, não se sobrepõem os usos e costumes ao império da lei.”.
Assim, vê-se claramente que o art. 14 da Resolução nº 184/14 visa ressuscitar atividade que era desempenhada pela Polícia Civil de Minas Gerais, mas que, hodiernamente, após longas lutas e sofrimento, não mais é de sua atribuição, sendo previsto em Lei que tal atividade deverá ser desempenhada pela SUAPI/SUASE ou PMMG, conforme o caso.
IV – CONCLUSÃO
Belo Horizonte, 23 de maio de 2013.
Gabriel Ciríaco Fonseca
Delegado de Polícia
Vistos, etc., passo às considerações sobre o parecer apresentado pelo Dr. Gabriel Ciríaco Fonseca, em face de ainda não estar instalada a comissão de prerrogativas:
De se ver que em seus “considerandos” a resolução já dá sinais de contradições que devem ser analisadas longe de paixões a fim de não contaminar seu objetivo. Eis as contradições:
1 – O primeiro considerando preconiza a mudança do modelo burocrático para o modelo gerencial de administração.
Conforme os teóricos lecionam, romper com o modelo weberiano seria decretar o fim do Estado Regular de Direito, demolindo todos os pilares que sustentam a estrutura de “autoridade racional-legal”, modelo a que também chamamos burocrático, e que se caracteriza pelos seguintes elementos:
- A lei representa o ponto de equilíbrio último, ao qual se devem reportar as regras e regulamentos, constituindo aplicações concretas de normas gerais e abstratas;
- A burocracia, em qualquer organização, é estabelecida seguindo o princípio da hierarquia. As relações hierárquicas entre superiores e subordinados são preenchidas por cargos de direção e chefia e cargos subalternos claramente definidos, de forma que a supervisão, a ordem e a subordinação sejam plenamente assimiladas e realizadas;
- A avaliação e a seleção dos funcionários são feitas em função da competência técnica. Daí a exigência de exames, concursos e diplomas como instrumentos de base à admissão e promoção;
- As relações informais não têm razão de existir. O funcionário burocrático é uma peça de uma máquina, esperando-se dele um comportamento formal e estandartizado, de forma a cumprir com exatidão as tarefas e funções que lhes estão destinadas;
- O funcionário recebe regularmente um salário, não determinado pelo trabalho realizado, mas segundo as funções que integram esse trabalho e o tempo de serviço;
- O funcionário burocrata não é proprietário do seu posto de trabalho, as funções que executa e o cargo que ocupa são totalmente independentes e separados da posse privada dos meios de produção da organização onde trabalha;
- A profissão de funcionário de tipo burocrático supõe um emprego fixo e uma carreira regular;
- O desempenho de cada cargo por parte dos funcionários burocráticos pressupõe uma grande especialização na execução das suas tarefas e trabalho.
O modelo gerencial, na administração pública brasileira, tem como marco regulador a Emenda Constitucional de Nº 19, de 04 de junho de 1998. Antes da promulgação desta emenda, foi editado o “PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO”. Conforme o plano, a troca do modelo burocrático para o modelo gerencial se daria por meio de uma governança, verbete que designa a possibilidade de implementar políticas públicas. Para melhor compreensão do fenômeno, precisamos buscar a exegese de outro verbete inovador que é publiscização,explicado pelo plano diretor e seus teóricos como sendo "...a descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica." Isso certamente não inclui a segurança pública, atividade que envolve o poder de Estado, único legitimado para o uso da violência.
Desta forma, a assertiva do primeiro considerando já revela um descompromisso com a ordem social e o modelo republicano de estado, merecendo o rechaço de todas as pessoas de bem e a imediata retirada da resolução.
2 – O segundo considerando assevera “que o exercício da atividade estatal de forma eficiente coaduna com o princípio da Supremacia do Interesse Público, e viabiliza uma maior economia para os cofres públicos e, por consequência, para o próprio contribuinte;”
Com efeito, o princípio invocado estaria corretamente aplicado caso estivessem em conflito interesses de particulares e o interesse público. Isto se aplica a quase todos os direitos, exceto quando estejam em jogo direitos individuais indisponíveis, como aqueles que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana. Conduzir um cidadão suspeito do cometimento de crime comum para um quartel militar só é possível, neste país, se decretado estado de guerra, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, muito depois de os teóricos jurídicos afirmarem, no século XIX, que o interesse público é maior que o interesse do particular. No Brasil, a aplicação do princípio em relação aos direitos individuais só foi registrada por ocasião da edição do Ato Institucional Nº 5, cuja memória só interessa hoje à Comissão da Verdade da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Ademais, quando a resolução tenta resolver um possível alinhamento de instituições públicas em relação ao processo penal, o princípio invocado se afigura um estorvo no cenário, posto que nenhuma dessas instituições é particular. A menos que a administração pública mineira esteja admitindo oficialmente que tais instituições, embora públicas, estejam a serviço de algum particular, o que deve ser investigado em sede de processo por improbidade administrativa.
3 – No terceiro considerando se declara “que já está implementado e consolidado, no Estado de Minas Gerais, um sistema integrado de combate à criminalidade, envolvendo diversos atores que atuam em todas as fases da persecução penal, respeitando-se as atribuições constitucionais de cada Instituição;”
Neste ponto, a contradição é mais sutil, pois quando se afirma que no sistema integrado de Minas Gerais há diversos atores que atuam em todas as fases da persecução penal está se afirmando uma usurpação de função pública, pois o sistema de segurança pública brasileiro é dual, com atividades definidas com exclusividade para cada um dos entes envolvidos, não havendo competências concorrentes entre as instituições. Assim, ou se respeitam as atribuições constitucionais e cada agência desenvolve suas atividades, ou o considerando é falacioso e o Estado patrocina as usurpações de funções públicas em franca demonstração de improbidade, expondo o cidadão a uma injustificada insegurança jurídica.
4 – O quarto considerando afirma “a necessidade de se aperfeiçoar a atuação dos órgãos de Segurança Pública e de Justiça Criminal do Estado, frente à criminalidade cada vez mais organizada e diversificada, na missão perene de oferecer tranquilidade e paz social aos cidadãos;”
Neste ponto não temos qualquer discordância, pois a falta de aperfeiçoamento dos órgãos de segurança pública e de justiça criminal do Estado faz com que os poucos juízes, assoberbados de processos, ofereçam uma prestação jurisdicional cada vez mais precária e questionável. Assim também a Polícia Civil, que conforme recente diagnóstico deveria ter em atividade 18.997 servidores de cargos estritamente policiais, precisa de aperfeiçoamento com a imediata contratação dos 8.966 servidores que faltam para completar o quadro definido em sua recém aprovada Lei Orgânica. Não será com inovações artificiosas no modelo processual mineiro, à revelia do pacto federativo, que este rico Estado responderá às necessidades de segurança dos pobres cidadãos que não dispõem de recursos para proverem por seus próprios meios a defesa de seus bens, de sua vida e a integridade física de seus entes queridos.
5 – O quinto considerando noticia, de forma lacônica, “que, no Brasil, a utilização de meios informatizados já está prevista e cada vez mais ganhando robustez, sendo que, em alguns casos, já está implementada pelos órgãos da administração pública, havendo compartilhamento de bases de dados e de programas entre os órgãos promovedores de Justiça;”
Melhor andaria se afirmasse que a utilização de meios informatizados já está prevista em Lei, mas não é possível sua aplicação em sede de processo e procedimentos de natureza penal tendo em vista princípios consagrados mundialmente como o do contraditório, da ampla defesa e o maior deles, da presunção de inocência.
6 – O sexto considerando, menos cauteloso que o anterior, assevera “que o §2º do art. 185 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de efetivação de atos da persecução penal através da utilização de videoconferência ou outro recurso tecnológico, sempre que houver risco à segurança pública pela possibilidade de fuga do conduzido ou quando haja relevante dificuldade para o seu comparecimento em juízo;”
A parcialidade na leitura não é mero deslize, é má-fé. Se ninguém pode se eximir de cumprir a lei alegando seu desconhecimento, muito menos podem as instituições, a quem se impõe seu conhecimento, torcê-la para contemplar conveniências. Quando o dispositivo citado fala na possibilidade de fuga do conduzido, “por outra razão”, não visa contemplar a leniência ou a conivência do agente público encarregado de seu transporte, mas sim sua comprovada periculosidade. Quando fala em relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, não menciona fatores climáticos, distância física ou a incompetência dos transportadores, mas sim “por enfermidade ou outra circunstância pessoal” do preso.
É preciso interpretar o dispositivo em sua integralidade, pois a mesma regra que permite, excepcionalmente, mediante decisão fundamentada pelo juiz, a realização do interrogatório do réu por meio de videoconferência, também determina, em seu § 3º, que da decisão que a determinar, as partes serão intimadas com antecedência de 10 dias. Desta forma, fica evidente que o modelo não se presta a reger a apresentação de um conduzido à autoridade policial sob pena de conflitarem os prazos do citado artigo com os do art. 306 e parágrafos do mesmo Diploma, sujeitando ao abuso de autoridade o policial militar e o Delegado de Polícia.
7 – O sétimo considerando leva em conta “os processos eletrônicos já adotados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tais como Justiça Integrada ao Povo pelo Processo Eletrônico- JIPPE, Processo Judicial Eletrônico-PJE e Sistema CNJ-Projudi os quais estão em pleno funcionamento na Justiça Comum de nosso Estado;”
Seria de grande importância esse considerando se tivesse qualquer pertinência com o tema tratado, qual seja: o que ele impacta ou projeta sobre a condução de pessoa suspeita de crime à presença da autoridade policial.
8 – O oitavo considerando, tão impertinente quanto o anterior, noticia, a propósito de nada, “que o processo digital já é realidade na Justiça do Trabalho, tendo sido implementado pela Resolução nº. 94/CSJT, de 23 de março de 2012 que instituiu o Sistema de Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho-PJE como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabeleceu os parâmetros para sua implementação e funcionamento;”.
Causa espécie ver que nossos governantes ainda relacionam trabalho com punição. Trabalho é um dos direitos sociais preconizados em nossa “Constituição Cidadã”. O trabalho foi feito para o homem, e não o homem para o trabalho conforme se pronunciou a Igreja Católica através da encíclica “Rerum Novarum”. Só mesmo um Estado/Empresa nos moldes do que se tinha no começo da industrialização, concebe uma relação espúria dessa natureza como postulado de uma pretensa ordem social.
9 – Por sua vez, o nono e derradeiro considerando colaciona a pérola de “que o Estado de Minas Gerais caminha na direção da modernização tecnológica, sendo evidente que os órgãos que atuam na persecução penal podem e devem estabelecer protocolos de atuação operacional para o exercício de suas funções constitucionais, respeitadas as disposições legais;”.
Sendo assim, a Resolução 184 deveria se encerrar neste considerando, simplesmente determinando a todas as instituições envolvidas que respeitem as disposições legais. A coisa mais moderna que se pode implantar em qualquer lugar do mundo civilizado é um sistema legal que ofereça segurança jurídica. Tolerar inovações artificiosas no processo legislativo é compactuar com o retorno à barbárie, à famigerada “lei do mais forte”, onde o “contrato social” é sumariamente rasgado sem o menor constrangimento e sem nenhum respeito pelos esforços civilizatórios empreendidos pela humanidade.
Com estas considerações, aprovo o parecer e recomendo seu encaminhamento a todas as autoridades signatárias da Resolução Conjunta 184/2014.
Marco Antônio de Paula Assis
Presidente do Sindepominas
[1] Atualmente, a forma de ingresso se dá, exclusivamente, por meio de concurso público de provas e títulos, conforme dispõe o art. 37, II da CR/88
[2] Recomendação elaborada em 24/06/2013 e que traça normas para o atendimento do público alvo das manifestações e eventos populares;
[3] Cita-se que nos processos judiciais é obrigatório o uso de certificado digital com o fim de trazer certeza quanto à pessoa do assinante/praticante de determinado ato processual, o que não ocorre no presente caso (Lei nº 11419/06).