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SINDEPOMINAS RESPONDE JORNAL ESTADO DE MINAS SOBRE CASO ANA HICKMANN
13julho / 2016
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Tendo em vista as declarações do Promotor de Justiça Mariano Cota, em matéria jornalística assinada por Valquíria Lopes e Pedro Ferreira, do “Caderno Gerais”, página 13 do jornal Estado de Minas do dia 12 de julho do corrente, o SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SINDEPOMINAS, usando de seu direito de resposta, vem esclarecer à população o que adiante se segue, em linguagem simples, sem a pretensão de entrar em digressões jurídicas ou doutrinárias, a saber:
Os §§ 1º e 4º do art. 144 da Constituição Federal atribuem às Polícias Federal e Civil dos Estados a atividade de Polícia Judiciária.
A atividade de Polícia Judiciária consiste em investigar crimes e contravenções, colhendo todas as provas da autoria e materialidade, as quais são formalizadas, em suma, através de três instrumentos: o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD), o Inquérito Policial (IP) ou o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Após findadas as investigações, os autos são remetidos à Justiça.
Para apuração de um crime, vários profissionais formam uma equipe multidisciplinar, com atribuições específicas, as quais resumimos: o Delegado de Polícia que, na qualidade de autoridade policial, coordena as investigações e preside o IP, o APFD ou o TCO; o Investigador de Polícia, responsável por coletar vestígios e indícios probatórios e testemunhais; o Escrivão de Polícia, responsável pela formalização dos autos e oitiva das partes envolvidas, bem como da colação e tramitação dos documentos até encaminhamento à Justiça; o Perito Criminal, responsável pela elaboração do laudo pericial e da análise de todos os elementos materiais ligados ao cometimento do crime e, finalmente, o Médico-legista, que realiza exames em pessoas vivas e em cadáveres, de modo a determinar a natureza das lesões ou da “causa mortis”, com emissão de laudos.
As atribuições de Polícia Judiciária estão muito bem delineadas no Código de Processo Penal, bem como, em Minas Gerais, na Lei Orgânica da Polícia Civil. Especificamente, no caso do Delegado de Polícia, existe o que chamamos de poder discricionário, igualmente observado no que se refere ao Promotor de Justiça e ao Juiz de Direito. O Poder discricionário consiste em escolher, dentro de certos limites, a providência que adotará a autoridade, mediante a consideração da oportunidade e da conveniência, em face de determinada situação não expressamente regulada pela lei.
Assim, ao Delegado de Polícia cabe à presidência da investigação policial, de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade, levando-o a decidir sobre o a lavratura do APFD ou do indiciamento ou não do investigado, conforme o conjunto probatório de todo o apurado.
Dadas as explicações iniciais aos leitores não afetos à área jurídica, entramos propriamente no caso do Delegado responsável pela apuração do crime envolvendo Gustavo Henrique Bello Correa (cunhado de Ana Hickmann). O Delegado Flávio Grossi, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, após formalização de todos os atos relativos ao Auto de Prisão em Flagrante Delito, entendeu por bem, diante das provas coligidas até então, não ratificar a voz de prisão em flagrante delito, por entender (poder discricionário) que ali se configurava uma excludente de ilicitude: a legítima defesa própria e de terceiros.
Dando continuidade à investigação, após todas as fases de oitivas dos envolvidos e testemunhas, dos laudos periciais e documentos anexados aos autos, o Delegado fez o relatório final, apontando, mediante a análise técnico-jurídica do fato, a autoria, a materialidade e as circunstâncias do fato, bem como a caracterização da excludente de ilicitude, com fundamentação de sua decisão.
Destarte, não procede a fala do Promotor de Justiça quando afirma que: “o delegado cometeu um desvio funcional ao sugerir o arquivamento. Não é papel dele. Ele só pode apurar e narrar fatos, relatá-los. Não pode sugerir denúncia nem arquivamento”.
Se realmente o Promotor de Justiça assim se pronunciou, devemos lembrá-lo do disposto no § 6º do artigo 2º da Lei 12.830/2013, o qual exige do Delegado de Polícia a fundamentação das razões e motivos que ensejam o indiciamento ou o não indiciamento de algum investigado, dando ao inquérito policial uma visão garantista e constitucional, haja vista permitir ao Poder Judiciário conhecer o juízo de valor adotado na tipificação do fato e o enquadramento da conduta do agente sob a perspectiva da norma penal incriminadora.
Seria o mesmo que dizer que o Promotor fica adstrito ao apurado em inquérito, sem poder utilizar-se de seu poder requisitório ou da sua discordância sobre a tipificação dada pelo Delegado de Polícia. Justamente por possuir poder discricionário, o Promotor pode apresentar denúncia ou não em relação ao inquérito e o Juiz poderá ou não receber a denúncia, havendo divergência de interpretações ou em relação à dinâmica do fato criminoso.
Conforme preleção de Amintas Vidal Gomes, em sua obra Manual do Delegado, teoria e prática, “o caráter privativo do indiciamento ao Delegado de Polícia estabelece sua soberania e discricionariedade na fundamentação da classificação jurídica do fato delituoso, não havendo subordinação nem sequer adequação legal nos casos de requisição de indiciamento pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, por afronta ao princípio constitucional de freios e contrapesos, uma vez que a fase de investigação promovida pelo Estado guarda necessária distância da jurisdição e do órgão de acusação.” (fls. 67, 9ª ed.)
O tema em discussão trata da possibilidade do Delegado de Polícia apreciar todos os elementos da estrutura do crime, valendo-se, para isso, de sua autonomia e independência funcional. A Constituição da República adotou indubitavelmente o garantismo como diretriz de aplicação dos dispositivos normativos e, para isso, o sistema jurídico deve ser lido conforme os parâmetros legais, de modo a traduzir segurança ao cidadão, no sentido de que será investigado com a isenção e a imparcialidade próprias de agente estatal que possui compromisso com a verdade, sem quaisquer ingerências do órgão acusatório, que deverá agir somente em Juízo.
Assim, o Delegado não só pode como deve se pronunciar quanto aos motivos que o levaram a concluir pelo não indiciamento do investigado, solicitando à Justiça o arquivamento do feito, nos precisos termos do art. 17 do CPP, representando verdadeiro dever de atuação.
O SINDEPOMINAS, como guardião das prerrogativas e garantias constitucionais dos Delegados de Polícia, repudia veemente a declaração do ilustre Promotor de Justiça e parabeniza o Dr. Flávio Henrique Ferreira Grossi pelo excelente trabalho à frente das investigações, bem como pela coragem e determinação de ser o primeiro garantidor da legalidade e da justiça.
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